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Abuso

"Durma com um barulho deste. Eis a Lei de Abuso de Autoridade. Ferrou Geral."

O Juiz da 1ª Vara Cível de Guaxupé reflete sobre a lei contra o Abuso de Autoridade e como ela pode intervir no trabalho da justiça.

Publicado em 26/08/2019 às 08:55

Caso a Lei de Abuso de Autoridade seja sancionada ou promulgada, autoridades podem se sentir intimidadas e ter que "pisar em ovos" para evitar as punições da lei. (Foto: Reprodução/Google)

A Câmara dos Deputados aprovou, em votação simbólica, o projeto que criminaliza o abuso de autoridade. A proposta prevê punição a agentes públicos, incluindo juízes, delegados, promotores, procuradores, policiais, em uma série de situações e é considerada uma reação da classe política às operações recentes contra corrupção, como a Lava Jato. Como já havia passado pelo Senado, o texto agora vai à sanção e caberá ao presidente Jair Bolsonaro decidir se transformará em lei.

Segundo o novo projeto, é considerado abuso de autoridade e, portanto, passível de criminalização:

  1. Proferir julgamento em caso de impedimento legal;
  2. Instaurar procedimento sem indícios;
  3. Atuar com “evidente motivação político-partidária”;
  4. Exercer outra função pública (exceto magistério) ou atividade empresarial;
  5. Manifestar juízo de valor sobre processo pendente de julgamento.
  6. O projeto também torna crime a violação dos direitos e prerrogativas dos advogados por parte de magistrados e membros do Ministério Público.

O texto define os crimes de abuso de autoridade cometidos por servidores públicos, militares, membros dos poderes Legislativo, Executivo, Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas. A proposta lista uma série de ações que poderão ser consideradas crimes, com penas que vão de prisão de três meses até 4 anos, dependendo do delito, além de perda do cargo e inabilitação por até cinco anos para os reincidentes.

O projeto prevê ainda pena de detenção de seis meses a dois anos e multa para quem fotografar ou filmar preso, investigado ou vítima sem seu consentimento com o intuito de constranger a pessoa. Há exceção se a fotografia ou filmagem for para produzir prova em investigação criminal ou processo penal ou ainda para documentar as condições de estabelecimento penal. Há ainda a previsão de detenção de um a quatro anos e multa para condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação.

Ora inimaginável que possam querer que morra a Operação Lava Jato, não queremos que policiais, juízes, promotores e auditores da Receita trabalhem intimidados.

Fico incrédulo com um projeto desses. Simplesmente seria sepultar todo e qualquer trabalho investigativo, amarrando as ações de quem é responsável por fazê-lo. É nosso Poder Legislativo (boa parte) atuando em causa própria. Óbvio que o Presidente vai vetar... Aí o texto retorna para a Câmara, que pode derrubar o veto... E depois?

O Brasil inteiro espera esse veto, menos corruptos e bandidos que comandam o Congresso Nacional... Esses estão de prontidão para vingar se Bolsonaro vetar o projeto em prol da corrupção.

Policiais civis e militares pensarão várias vezes antes de efetuar uma prisão para não ter que logo mais adiante responder a um processo por abuso de autoridade.

Promotores, também, pensarão para requerer prisão cautelar - preventiva, temporária e et, pois sempre aos olhos daquele que está sofrendo a medida o ato é tido por abuso de autoridade, pois o meliante é sempre inocente.

E o juiz, o que fará? Por certo deixará de decretar prisões, com certeza. Eu pensarei mil vezes antes de decretar uma prisão, isso porque para o sujeito que está sofrendo a medida, prisão, estará sempre correto, e o errado é o juiz. É assim que funcionará. 

E uma vez preso por ordem judicial, ou mesmo em flagrante pelo policial, e como as autoridades sempre são as erradas, sempre 'cometem' arbitrariedade, agem em abuso de autoridade, não deixarão de passar a oportunidade, por vingança, representar contra ela por abuso de autoridade.

Mas dizem que, embora esteja respondendo criminalmente por abuso de autoridade, isto não implica necessariamente que será condenado, pois deverá o processo seguir o rito previsto e com observância ao justo processo, com ampla defesa, etc. Certo, mas até que o juiz consiga provar que 'fucinho de porco' não é tomada, ele passou vários meses ou até anos respondendo ao processo, e qual autoridade vais querer sujeitar-se a este estado de coisa.

Sabemos que pior que a prisão é responder a um processo por vários anos em razão de nossa arcaica legislação.

Então, eu, magistrado, vou colocar a corda em meu pescoço a troco de quê, uai? O pior de tudo será em relação aos 'poderosos', digo poderosos a classe social que tem maior poder aquisitivo, pois esta terá condições melhores de vingar-se do policial, promotor e juiz, pois, pode contratar bom advogado para fazer a representação.

Partindo dessas premissas isso quer dizer que a impunidade, agora desta vez estará institucionalizada. 

Fico a perguntar aos meus botões, o que pretendem com esta aberração jurídica a nossa classe política - deputados federais e senadores?

Bom, o enfraquecimento das autoridades dedicadas ao combate à corrupção e à defesa dos valores fundamentais, com grave violação à independência do Poder Judiciário, com a possibilidade de criminalização de suas funções essenciais é o que buscam incessantemente.

Este projeto de lei foi aprovado na Câmara sem seguir o procedimento formal da Casa – assim, ele sofre de inconstitucionalidade formal. Basta um Deputado Federal do Bem entrar com um Mandado de Segurança por aprovação da Lei de Abuso de Autoridade sem seguir o procedimento formal da Câmara – esta lei sofre de inconstitucionalidade formal.

Não podemos ser mais realista do que o rei, é claro que as autoridades costumam agir arbitrariamente e/ou com abuso de autoridade, oras, mas já existe as Lei de abuso de autoridade - Lei de Abuso de Autoridade - Lei 4898/65 | Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 que regulamenta a situação.

Enfim, não há nada tão ruim que não possa ficar pior. Chegamos ao fundo do poço. Eu, enquanto juiz, se aprovada esse monstrengo, dificilmente decretarei alguma prisão para não sofrer retaliação, vingança, etc.

Alea jacta est.

Guaxupé, 23/08/19.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

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