Portal da Cidade Guaxupé

Tetra e Treta

25 anos: Memórias de um repórter guaxupeano na conquista da Copa 94

O guaxupeano Luiz Antônio Prósperi é jornalista com carreira dedicada ao esporte. Cobriu 7 Copas do Mundo, entre elas a 1994 nos EUA.

Publicado em 18/07/2019 às 02:06
Atualizado em

Crônica do repórter guaxupeano Luiz Antônio Prósperi relembra os 25 anos do Tetra e também a treta com o presidente da CBF. (Foto: Agência AP)

Galvão Bueno esgoelou. “Acabou, acabou! É tetra, é tetra é tetra!”. Abraçado a Pelé, locutor da Globo estava em êxtase. Poucos minutos depois, Dunga levantava a taça xingando meio-mundo. Tudo isso a menos de 200 metros de onde nossa equipe do Jornal da Tarde estava na tribuna de imprensa do Rose Bowl, estádio da final da Copa do Mundo, em Los Angeles. Começava uma epopéia de emoção, pancadaria, dor e respeito à profissão de repórter. Há 25 anos.

Antes de a taça ser entregue de Romário e depois a Carlos Alberto Parreira e o treinador dizer aos torcedores nas escadarias “podem pegar, ela é nossa”, eu já mergulhava nos subterrâneos do Rose Bowl em direção à zona mista, na boca dos vestiários, local de saída dos campeões do mundo. Há 24 anos o Brasil não era campeão depois de dominar o futebol entre 1958 e 1970, quando chegou ao Tri, e de encantar o planeta em 1982 mesmo derrotado pela Itália de Paolo Rossi na Espanha. 

Atmosfera de alívio e orgulho se respirava naquela zona mista. Minha pauta era colher o depoimento de Parreira, excomungado desde as Eliminatórias em 93 até a final da Copa de 94. Meu jornal era implacável com o técnico da Seleção Brasileira. Durante o Mundial nos EUA abriu uma manchete assim: “Uma seleção tão burra como seu treinador”, acompanhada de uma charge estampando Parreira com orelhas de um asno. 

Toda pressão da mídia, em especial dos chefes de redação do Jornal da Tarde e não da equipe de Esportes, em cima de Parreira não fez o treinador perder a aura de um lorde e educação diante dos repórteres de todos os cantos do país. Eu era tratado com extrema cordialidade pelo técnico da Seleção. Diria que Parreira tinha profundo respeito por mim. E era recíproco. 

A expectativa antes de o técnico entrar na zona mista, área de entrevistas no sub-solo do Rose Bowl, era de um desabafo e um cala-boa de Parreira tirando uma tonelada das costas que carregava desde as Eliminatórias em 93 e da longa campanha na Copa de 94. 

Quando Parreira saiu dos vestiários e se dirigiu até nós da imprensa ouviu a primeira pergunta: “Parreira, você quer fazer um desabafo aos críticos?” Sereno, como sempre, abriu um largo sorriso e disse assim: “Desabafo? Não, apenas ‘My Way’, como Frank Sinatra. Estamos na terra do Sinatra. O que tenho dizer a todos ‘My Way’. Simples. Sigo meu caminho”.

Eu não conhecia a letra da música interpretada por Sinatra. Numa tradução simples, seria “O meu caminho”. Em algumas traduções da letra da canção aparece “Fiz do meu jeito”. Passada a epopéia da Copa, fui ouvir Sinatra e detalhes de My Way. O lorde Parreira dava o famoso tapa na cara dos críticos com luvas de pelica.

Eu tinha nas mãos um belo material de toda a trajetória do treinador da Seleção até aquele momento consagrador. Escrevi a matéria contando todos os detalhes da emoção de Parreira e a citação especial com a canção de Sinatra. Rendeu uma página ao JT, se a memória não me escapa. 

Próximo passo depois de sairmos do Rose Bowll, caminhar felizes da vida por um bosque ao redor do gigantesco estádio, era o Hotel Fullerton, a mais ou menos 40 km do palco da final da Copa. O hotel hospedava a Seleção durante toda a semana que antecedeu a decisão do Mundial. Seria lá a confraternização dos jogadores e dirigentes da CBF e de boa parte da imprensa. 

Chegamos no hotel em Fullerton no começo da noite daquele 17 de julho de 1994. Havia muita festa, bebidas, samba, uma confraria de jogadores, parentes, amigos, cartolas, torcedores, patrocinadores e muita gente da imprensa. 

 

Luiz Prósperi / Jornalista Esportivo / São Paulo

Virou Notícia

Naquele cenário de filme americano, com alegria tropical, no saguão do hotel minha pauta era contar detalhes da noite da conquista do Tetra. Não tinha a menor ideia de que em vez de dar a notícia eu seria a notícia da festa.

Luiz Prósperi / Jornalista Esportivo / São Paulo

Imprensa paulista de m… 

A história começa assim. Em um espaço reservado aos dirigentes e bajuladores da CBF, os cartolas já bem empolgados pelo efeito do uísque xingavam os repórteres identificados como representantes da imprensa de São Paulo. “Somos campeões do mundo, imprensa paulista de merda. Paulistas filhos da p…”. 


Bola Sete, meu anjo da guarda na Copa de 94. (Reprodução/ Chuteira F.C.)

Era o jeito que os dirigentes da CBF encontraram para desabafar em cima da imprensa paulista, apontada por eles como inimiga da Seleção Brasileira pelo tom crítico e ácido da longa cobertura da Copa.

Neste espaço reservado aos cartolas, o fotógrafo Wilson Pedrosa, a serviço do Estadão e Jornal da Tarde, registrava na sua câmera a farra dos dirigentes e os resmungos contra os paulistas. 

Marco Antonio Teixeira, na época secretário-geral da CBF, segundo cargo em importância na hierarquia da entidade, queria impedir Pedrosa de fazer as fotos e ameaçou tirar a câmera do fotógrafo. Marco Antônio é tio de Ricardo Teixeira, o então todo-poderoso presidente da CBF. 

Arthur de Almeida – repórter do Estadão e JT, colega de cobertura da Copa – e eu estávamos fora do reservado destinado aos dirigentes e acompanhávamos as ameaças de Marco Antonio Teixeira ao fotógrafo Pedrosa. 

Não pensamos duas vezes. Arthur e eu invadimos o reservado, chegamos até Marco Antonio. Arthur disse ao secretário-geral da CBF: “Deixa o fotógrafo trabalhar”. Marco Antonio mirou Arthur e disse: “Você é um babaca! Vai tomar no c…”. Entrei em ação disse: “Aí não. O que é isso?” Marco Antonio olhou para mim e, com dedo em riste, falou bravo: “Você é outro babaca, filho da p…” 

Antes que eu pudesse reagir ao xingamento, Marco Antonio acertou um soco no meu nariz e, no descer do braço, arrebentou o cordão da minha credencial da Fifa de cobertura da Copa. Sangue escorreu. Quando senti o sangue descer do meu nariz, revidei com um soco no rosto de Marco Antonio atingindo seus óculos que se partiram e provocaram um corte abaixo do olho direito do dirigente. Estava armada a confusão.

Ricardo Teixeira entrou na pancadaria, seus bajuladores e outros dirigentes também. Um deles tentou quebrar uma garrafa de cerveja na minha cabeça. Fui salvo pelo Bola Sete, animador de torcida contratado pela Brahma, na época patrocinadora da Seleção de muitos jogadores do time de Parreira. O carioca de 220 kg e 1,84m segurou a mão do sujeito que ia espatifar a garrafa na minha cabeça. Foi Bola Sete quem me contou. Eu não via quase nada, enfurecido com o sangue escorrendo.

Como é comum em filmes americanos, policiais brutamontes com fardas pretas observavam a pancadaria ao lado do reservado no saguão do hotel e só entraram em cena quando a situação parecia incontrolável. Dois deles me pegaram pelo braço, me protegendo se dirigindo a um dos enormes sanitários do saguão do hotel. Outro policial pegou o Arthur de Almeida. No meio daquela confusão, gritaria, quebra-quebra, copos e garrafas se espatifando, fomos conduzidos pelos policiais até o sanitário. Entramos e eles trancaram a porta 

Eu, Arthur e pelo menos dez policiais fechados no banheiro. Eu chorava como uma criança, com muita raiva, enquanto tentava estancar o sangue do nariz com água em uma das pias. Arthur com um celular, quase do tamanho de um tijolo – eram os primeiros aparelhos celulares lançados nos anos 90 –, procurava comunicação com nossos chefes do Estadão e JT. 

Quando me acalmei, um policial com patente de superior me disse que eles dariam total proteção para sair dali e ainda me levariam até o hotel em que nossa esquipe estava hospedada – era um hotel pequeno em frente ao da Seleção do outro lado da avenida. 

Policial chefe me disse que, por ser portador da credencial da Fifa, eu seria conduzido com total segurança ao hotel em que estava hospedado, mas não poderia voltar ao local da confusão naquela noite. No dia seguinte, sim. Eu poderia trabalhar normalmente no hotel da Seleção. Mas tinha um detalhe: se eu fizesse uma registro da ocorrência da briga e da agressão, como se fosse um Boletim de Ocorrência, um processo seria aberto e eu teria de permanecer nos Estados Unidos até conclusão do inquérito, que poderia se arrastar por meses. 

Arthur conseguiu falar com um de nossos chefes do Estadão e JT, relatou o que havia acontecido e comentou a orientação do policial a respeito de um eventual inquérito. Chefes entenderam que não deveríamos registrar a ocorrência nos EUA e providências judiciais seriam tomadas no Brasil quando do nosso regresso. Comunicamos aos policiais norte-americanos que não faríamos o registro da ocorrência. Eles entenderam e disseram então que naquele momento nos conduziriam até o nosso hotel. 

Quando a porta do banheiro foi aberta, uma multidão de repórteres, a maioria nossos colegas, estava atrás de uma fita de segurança amarrada pela polícia americana. Dali eles não poderiam passar. Repórter José Eduardo Savoia, ex-colega do JT, trabalhava no programa Aqui e Agora do SBT. Quando ele me viu saindo, gritou com microfone em punho: “Prósperi, Prósperi, conta o que aconteceu”. Luzes e câmeras apontadas na minha direção. Uma gritaria geral. 

Policiais não permitiram que eu falasse e foram e me arrastando por corredores do hotel, ganharmos a cozinha, almoxarifado, garagens até sairmos pelos fundos do prédio – como naquelas cenas de fugas e perseguições comuns em filmes americanos. 

Atravessamos a avenida e fomos conduzidos ao nosso hotel pelos policiais. Nos deixaram no pequeno saguão, deram boa noite. “Tomorrow, ok” e foram embora. 

No dia seguinte, lá estava eu no saguão do hotel da Seleção para cobrir a despedida dos campeões do mundo rumo ao Brasil com a taça a bordo e, mais tarde ficamos sabendo, toneladas de muamba. Fui entrevistado por dezenas de colegas brasileiros e da imprensa internacional. 

Não queria ser lembrado naquela Copa como pivô da pancadaria na noite de festa do Tetra e sim pela longa cobertura jornalística daquela campanha redentora da Seleção nos Estados Unidos. Infelizmente fiquei marcado muito tempo por aquele episódio. Tratado como um corajoso por ter enfrentado no braço os cartolas da CBF. Um repórter nunca pode ser a notícia e sim dar a notícia. 

Aquela noite de 17 de julho de 1994 está na minha memória de repórter há 25 anos e vai ficar para sempre. Acabou, Acabou… É Tetra, é Tetra!

Fonte:

Deixe seu comentário